Sempre regurgitei o senso comum, o ordinário, o corriqueiro. Ou seja, volta e meia, estou desejando ir além disso. A sensação em se viver assim, contudo, é a de susto constante. Tipo sair de casa com a camiseta vestida pelo avesso. Ao chegar na padaria estarão todos lhe olhando, certamente. E, não porque você está linda, mas sim do lado avesso.
É disso que estou falando. Seguir rejeitando um lado certo é sempre um sobressalto. Além de ser esquisito, dá maior vergonha levar um cutucão por escapar da padronagem. Mas, por favor, avolume-se. Há que se resistir nesses flagrantes. Isso é inadiável.
Esse minuto na alegoria da padaria, até o instante do cutucão, é o que os filósofos chamam de experiência de estranhamento. Muito comum nos bebês descobrindo o admirável mundo novo. Mundo que só é incrível porque não há lados postos e impostos para quem acabou de desembarcar. Não há cutucadas. Não há interferências. Por vezes, acho ótimo manter-me assim, recém-chegada há mais de três décadas. Noutras, acho um porre. É doloroso. Dá muita angústia. Adultos não aturam muito isso de considerar lados b, contrários e reversos.
Mas, fazer o quê? Pra mim é, de fato, um lenitivo olhar o brinquedo por dentro, lixar uma superfície e saber da próxima camada, ou revirar o pano bordado por minha avó, enquanto bamba de encantamento, digo: ”como raios ela fez isso”?
‘O mais importante do bordado. É o avesso. O mais importante em mim. É o que eu não conheço”. (Maria Bethânia)